29 de jul. de 2011

O DIVÃ VAI À CADEIA - 'Depois da conversa deu mais vontade de viver'

Notícia publicada na edição de 29/07/2011 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 1 do caderno Ela

Samira Galli



O atendimento é feito pelo psicanalista Ricardo Ribeiro - Por: Fábio Rogério

"Aqui dentro, a gente se movimenta por sonhos. E ele nos devolveu a chance de aprender a sonhar". Presa há um ano e três meses por tráfico de drogas, como a maioria das detentas, Emilene Alves de Lima, de 36 anos, foi a primeira a ser atendida pelo psicanalista Ricardo Ribeiro na Cadeia Pública Feminina de Votorantim. A iniciativa de levar um consultório de psicanálise para dentro da cadeia surgiu de uma parceria entre a Associação Cultura Votorantim e o Instituto Brasileiro de Psicanálise (Ibraper) - A Casa da Psicanálise, e realizou as primeiras sessões gratuitas às detentas na semana passada.

Emilene estava ansiosa. Nunca havia passado por uma terapia e não sabia por onde começar. "É uma vida inteira para tentar entender. Muita coisa", disse. Mas bastou a primeira conversa com o psicanalista para se sentir mais segura. "As palavras do doutor servem de instrumento para pensar num futuro melhor para a gente. Depois da conversa deu mais vontade de viver, você se valoriza mais. Para quem quer mudar de rumo, é uma alavanca".

Ao descrever as dificuldades da vida no cárcere, é a lembrança das três filhas - de 8, 7 e 3 anos de idade - que mais atormenta as mãos inquietas e transparece nos olhos aguados da mãe Emilene. "É o que mais dói aqui dentro. A saudade dos filhos, da mãe e do pai. Mas é também o que nos faz levantar todos os dias. É neles que a gente busca forças. O maior objetivo de todas que estão aqui dentro é o momento do reencontro lá fora com quem a gente ama".

Além de ajudar o dia a dia dentro da prisão, a terapia também ajudou Emilene a encarar os planos da vida pós cárcere. "Eu tinha medo de sair, de enfrentar a vida lá fora, das pessoas não me aceitarem. Agora não. As pessoas não são obrigadas a me aceitar. Eu é que tenho que me aceitar e vou fazer por onde. Isso aqui não é o ponto final. A vida não acaba na cadeia". Arilma Maria dos Santos trabalhava como vendedora de roupas no shopping Tatuapé em São Paulo quando se envolveu com o tráfico de drogas. Por causa do crime, ela deixou de viver um de seus 26 anos ao lado dos três filhos para dividir com 202 mulheres um espaço que tem capacidade para apenas 48. "Aqui é como estar dentro de um ônibus lotado 24 horas por dia. E, por mais que a pessoa seja calma, ela acaba se estressando uma hora ou outra, às vezes até por muito pouco. E as sessões são uma forma de aliviar esse peso da gente", contou.

No consultório improvisado, elas falam sobre angústias, tristezas, ansiedades e perturbações diárias. As conversas com o psicanalista funcionam como verdadeiros desabafos emocionais. "Não existe a possibilidade de ficar sozinha aqui dentro. Mas, por mais que a gente converse entre nós, não é igual porque compartilhamos os mesmos problemas. Sem contar que às vezes não temos o que dizer uma à outra ou simplesmente não queremos mais escutar ninguém. Poder desabafar com gente de fora é completamente diferente", destacou Arilma.

O delegado José Augusto Pupin, diretor interino da Cadeia, abriu as portas para o projeto - Por: Fábio Rogério

"A pior prisão não é a física,

é a mental"

 

Notícia publicada na edição de 29/07/2011 do Jornal Cruzeiro do Sul, na página 002 do caderno Ela


Para o psicanalista Ricardo Ribeiro, um dos objetivos do projeto é justamente minimizar as dificuldades da vida no cárcere. "Como elas estão juntas há muito tempo, a convivência fica cada vez mais complicada e começam a aparecer as diferenças. Entender a si própria é fundamental para elas se relacionarem melhor. Com as sessões, elas também irão melhorar a comunicação entre elas, porque a partir do momento que elas conseguirem se compreender melhor, irão transmitir melhor o que sentem".

As sessões demoram 50 minutos em média e a intenção é atender de duas a três detentas por semana, embora não seja suficiente para atender a todas as reeducandas. "O tratamento completo deve ter, pelo menos, dez sessões, o que é impossível, devido ao número de detentas. Mesmo assim, na primeira sessão, elas conseguem organizar os próprios pensamentos e se compreender melhor", disse.

O psicanalista explica que a terapia possui a capacidade de iniciar um processo de cura interior dos sofrimentos, traumas e dores. Como conseqüência, poderá trazer uma mudança de comportamento das detentas a médio prazo. "Existe a prisão física, onde elas se encontram agora. Mas, não é o fato de sair da cadeia que irá torná-las livres. A pior prisão não é a física, é a mental. Se elas entenderem a si mesmas, irão começar a se libertar. Só assim é que irão perder o medo de sonhar".


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